Como lidar com a pressão para ter filhos

Se tem uma coisa que toda noiva conhece é a pressão para ter filhos. Mal começam os preparativos para o casamento e as perguntas sobre um bebê já começam. Depois do casamento, e logo depois mesmo, a pressão para gerar um filho só aumenta. Mas o que muitas pessoas não conseguem compreender é que ter filhos não é o grande objetivo de uma união, é uma opção de cada casal. 

Texto retirado do blog Escreva, Lola, escreva!. O texto abaixo, é uma resposta à um e-mail enviado para a autora, Lola Aronovich, professora da UFC, doutora em Literatura em Língua Inglesa pela UFSC, feminista e de quem somos fãs!

"A pressão pra ter filhos realmente é grande, e maior pra mulher que pro homem. Eu me lembro de muitas vezes que fui cobrada por quase desconhecidos pra "cumprir meu papel de mulher", mas o maridão raramente ouviu uma cobrança parecida. Acho que a cobrança aumenta entre os 30 e 40 anos, porque as pessoas veem o período como uma última chance de te salvar. E também quando a gente está perto de grávidas. É batata que alguém vai perguntar: "E o seu, vem quando?", como se você fosse uma mulher incompleta por não ter filhos.


Hoje estou com 45 anos e devo confessar que já faz um tempinho que as cobranças diminuiram. Não sei se é porque estou começando a sair da idade fértil, porque a galera já me vê como caso perdido mesmo, ou se eu parei de ligar. Hoje as perguntas são mais no passado, porque ainda não é tão comum estar numa relação estável de tantos anos (22 anos no meu caso) sem se reproduzir.
Nunca fez parte do meu projeto de vida, nem do maridão, ter filhos. Nunca me imaginei mãe, nunca foi um sonho. Talvez por eu ser feminista desde tão jovem, eu nunca acreditei na ideia de que mulher precisa ser mãe pra se realizar, nem que mulher sem filho é "seca", nem em instinto maternal (uma construção social, como qualquer pessoa que estuda o mínimo de história pode constatar). Todo esse condicionamente passou longe de mim. Também tem um pouco de conformismo e até egoísmo na minha decisão com o maridão: nossa vida tá boa como está, pra que mudar? 


A realidade é que o número de casais sem filhos só aumenta. Hoje já somos 21,7% dos lares, de acordo com o IBGE. Aliás, a "família tradicional" (pai, mãe, filhos) já não é mais maioria no Brasil, o que pros conservadores é sinal que o apocalipse está próximo. Segundo o Censo 2010, as brasileiras têm cada vez menos filhos e são mães mais tarde. A taxa de filho por mulher caiu quase 22% na última década, e hoje é de 1,86 filho por mulher (o que pode ser um problema, porque nossa população vai encolher, mas aí já é assunto pra outro post).


As mudanças são rápidas, mas a mudança de mentalidade, nem tanto. Muita gente ainda fala do Brasil como se fosse comum, hoje em dia, ter cinco, dez filhos. Quando você apresenta essa estatística pra eles (média de filhos por brasileira de 1,86), simplesmente não acreditam. Se não creem em números concretos, como é que vão acreditar que mulheres podem ser o que quiser na vida, inclusive não ser mães? Que o "valor" de uma mulher não está associado a sua capacidade de se reproduzir (ou de decorar o mundo, ou de manter-se virgem)? Você conseguiu abrir sua cabeça, mas tem gente que vai levar pro túmulo os mesmos valores de seus tataravós. Essa gente vai morrer frustrada, porque viu que foi incapaz de brecar as mudanças. Vai morrer crente que o mundo está um lixo mesmo, lamentando deixar pros filhos o legado de sua miséria.

A miséria dessa gente, no caso, é que o mundo mudou pra melhor e eles não acompanharam. 

Acostume-se, porque a pressão da parte de familiares ainda virá por muito tempo. Deixe claro que você não quer filhos, seu marido também não, e que esta é uma decisão que cabe apenas ao casal. Também saiba diferenciar: nem sempre o "Vocês têm filhos?" é uma cobrança. Às vezes é o jeito que as pessoas iniciam um bate-papo. Comigo geralmente a pessoa pergunta se tenho filhos, respondo que não, a pessoa pergunta: "Por que não?". E eu digo o que digo aqui, que nunca fez parte do meu projeto de vida. 


De vez em quando a pessoa fica muito decepcionada com a resposta, como se eu estivesse deixando o planeta na mão, sabe, e aí eu emendo que talvez eu ou meu marido sejamos estéreis, porque a gente já tá junto faz tanto tempo e nunca engravidou. Mas esta não é uma boa alternativa, porque a pessoa pergunta: "Você já fez exames?", e eu digo que não, já que nunca quis ter filhos, e a pessoa termina com um "Mas você sempre pode adotar". Ou seja, fica um diálogo de surdos, com a boa alma querendo resolver um problema que nunca foi um problema.

E lembre-se que, se você tivesse um filho, alguém te cobraria pra ter mais um. Se você tivesse dois meninos, alguém iria falar pra você tentar ter uma menina. Se você tivesse três, alguém te diria que é filho demais. E se você estivesse grávida, todo mundo iria passar a mão na sua barriga. Ou seja, intrometidx é o que não falta. 


Não entre em pânico! Tome todas as precauções. Infelizmente, você fazer uma ligação de trompas ou seu marido fazer uma vasectomia é muito difícil. Muito médico se recusa a realizar essa cirurgia em alguém sem filho. Continue tomando sua pílula, torça pra que a pílula masculina venha logo, acompanhe o ciclo do seu corpo, e tenha cuidado com qualquer medicação que possa alterar o funcionamento da sua pílula. Assim as chances de engravidar são pequenas. Mas nada de paranoia. Prevenção é uma coisa, pânico de engravidar é outra.


Voltarei ao assunto de não ter filhos, pois é uma pergunta constante, que várias leitoras fazem. Ah, já falei um pouquinho sobre ter filhos como missão aqui."